16 de março de 2013

DESENCARNE DE ALLAN KARDEC

Túmulo de allan Kardec

DESENCARNE DE ALLAN KARDEC



Paris, 31 de Março de 1869.

Amigos:



Ele morreu esta manhã, entre onze e doze horas, subitamente, ao entregar um número da “Revue” a um caixeiro de livraria que acabava de comprá-lo; Curvou-se sobre si mesmo, sem proferir uma única palavra. Estava morto.



Sozinho em sua casa (rua de Sant’Anna), Kardec punha em ordem livros e papéis para a mudança que se vinha processando e que deveria terminar amanhã. Seu empregado, aos gritos da criada e do caixeiro, correu ao local, ergueu-o... nada, nada mais. Delanne acudiu com toda a presteza, friccionou-o, magnetizou-o, mas em vão. Tudo estava acabado...



Precisamente ao meio dia de 2 de abril de 1869, modesto coche funerário, seguido pelos confrades mais íntimos, por todos os membros e médiuns da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, e por uma multidão de amigos e simpatizantes, ao todo, mil a mil e duzentas pessoas punham-se em marcha, rumo ao Cemitério Montmartre, o mais antigo de Paris, onde nova massa popular já se encontrava concentrada.





As despedidas:



Em nome da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, que fora fundada e dirigida por Allan Kardec, discursou junto à cova ainda aberta, seu vice-presidente, Sr. Levent. Achava desnecessário recordar a fisionomia ao mesmo tempo benevolente e austera, o tato perfeito, a justeza de apreciação, a lógica superior incomparável do mestre. Refere-se, a seguir, os labores contínuos do infatigável pensador, que sempre madrugava no gabinete de trabalho, e diz da sua vasta correspondência com as quatro partes do mundo.



Lastimando a partida de Kardec, o orador logo em seguida se consola com este pensamento tantas vezes lembrado pelo extinto presidente: “Nada é inútil na natureza; tudo tem a sua razão de ser, e o que Deus faz é sempre bem feito.”





A fala de Camille Flammarion:



Depois que o Sr. Levent fez a prece junto à tumba de Kardec, tomou a palavra, o sábio astrônomo Camille Flammarion, numa oratória brilhantíssima que magnetizou por cerca de meia hora, todas as pessoas presentes ao sepultamento, das mais altas classes sociais, às mais humildes.



Lembrando o “eminente serviço” que Allan Kardec “prestou a filosofia, com chamar a atenção e provocar discussões sobre fatos que até então pertenciam ao domínio mórbido e funesto das superstições religiosas”, o celebrado autor da “Astronomia Popular” acrescentava:



“Seria, com efeito, um ato importante firmar aqui, junto deste túmulo eloqüente, que o metódico exame dos fenômenos, erroneamente qualificados de supranormais, longe de renovar o espírito de superstição e de enfraquecer a energia da razão, afasta, ao contrário, os erros e as ilusões da ignorância e serve melhor ao progresso, do que as negações ilegítimas dos que não querem dar-se ao trabalho de ver.”



Rendendo a sua homenagem à memória do “pensador laborioso”, Flammarion traça-lhe as principais fases da vida terrena, “tão útil e tão dignamente preenchida” – acentuava ele.





Mais adiante, ainda exaltando a figura do querido extinto, o orador consignava para a posteridade:



“Ele era o que eu denominarei simplesmente o bom senso encarnado. Razão reta e judiciosa, aplicava sem cessar à sua obra permanente as indicações íntimas do senso comum. Não era essa uma qualidade somenos, na ordem das coisas com que nos ocupamos. Era, ao contrário, pode-se afirma-lo, a primeira de todas e a mais preciosa, sem a qual, a obra não teria podido tornar-se popular, nem lançar pelo mundo suas raízes imensas.”




Flammarion faz, a seguir, inteligente exposição científico-filosófica que corrobora as doutrinas reveladas pelo espiritismo, apresentando o quadro das metamorfoses em “A Natureza”, dentro do qual resulta que a existência e a imortalidade da alma se revelam pelas mesmas leis da vida.



Após recordar as conversações que ele amiúde mantinha com Allan Kardec, quanto à vida espiritual e a pluralidade dos mundos habitados, o ilustre astrônomo francês assim terminava seu eloqüente discurso:





“Aos nossos pés dorme o teu envoltório, extinguiu-se o teu cérebro, fecharam-se-te os olhos para não mais se abrirem, não mais ouvida será a tua palavra... Sabemos que todos havemos de mergulhar nesse último sono, de volver a essa mesma inércia, a esse mesmo pó. Mas, não é nesse envoltório que pomos a nossa glória e a nossa esperança. Tomba o corpo, a alma permanece e retorna ao espaço. Encontrar-nos-emos num mundo melhor, e no céu imenso, onde usaremos das nossas mais preciosas faculdades, continuaremos os estudos para cujo desenvolvimento a Terra é teatro por demais acanhado.



É-nos mais grato saber esta verdade, do que acreditar que jazes todo inteiro neste cadáver e que tua alma se haja aniquilado com a cessação do funcionamento de um órgão. A imortalidade é a luz da vida, como este refulgente Sol é a luz da Natureza.



Até à vista, meu caro Allan Kardec. Até à vista!”




Assim, Flammarion encerra seu discurso diante do corpo inerte de Allan Kardec, e das centenas de companheiros presentes para as despedidas ao codificador da Doutrina Espírita.




Do livro Obras Póstumas - Allan Kardec

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